NutriSaúde

Valores: Ênfase na interdisciplinaridade.

NutriSaúde

Valores: Ética, integridade e responsabilidade na discussão e difusão de conhecimentos.

NutriSaúde

Valores: Transparência nas relações.

domingo, 25 de março de 2012

Métodos de investigação do Consumo Alimentar


Os métodos de investigação do consumo alimentar têm sido aperfeiçoados para superar limitações das técnicas empregadas para conhecer o hábito alimentar de indivíduos e grupos. Nos anos 60, período de grandes mudanças sociais aliadas a uma consciência global e doméstica da fome e questões ligadas à saúde, foram conduzidos os primeiros estudos epidemiológicos que investigaram a ligação entre dieta e o aparecimento de doenças. Os vários métodos para conhecimento e avaliação do hábito alimentar diferem entre si quanto à maneira como a informação é coletada, o tempo necessário para a coleta dos dados e o tipo de informação que se procura (FERRO-LUZZI, 2002).
De forma genérica, é possível subdividir os métodos de investigação do consumo alimentar em dois grupos (MCPHERSON et al., 2000):

a) aqueles utilizados na prática clínica, com interesses individuais e específicos relacionados à quantidade e à qualidade da alimentação, podendo inclusive despender, na maioria dos casos, mais tempo e dinheiro para a sua aplicação;

b) aqueles utilizados em estudos epidemiológicos, que valorizam mais a questão populacional, deixando de lado as particularidades do indivíduo, caso elas não se reflitam na população; nesse caso a praticidade na aplicação do método e o custo são mais valorizados.

O questionário de frequência alimentar (QFA) é considerado como o mais prático e informativo método de avaliação da ingestão dietética e fundamentalmente importante em estudos epidemiológicos que relacionam a dieta com a ocorrência de doenças crônicas (SAMPSON, 1985; WINLET, 1994).
Conceitualmente, este método prevê a medição da exposição e sua relação com o tempo, de modo a refletir características de como começa, quando termina e qual a sua distribuição no período de interesse (ARMSTRONG et al., 1995; GIBSON, 1990).
Hoje, existem variações do QFA em relação ao seu desenho original, como o QFA qualitativo, que visa avaliar os tipos de alimentos consumidos e sua frequência, e o semiquantitativo, que visa, além de avaliar os principais alimentos consumidos, estimar o seu consumo. O QFA, tanto em sua forma original quanto em suas variações, é capaz de avaliar a frequência de consumo alimentar diária, semanal, quinzenal, mensal ou sazonal (FERRO, 2002).
O recordatório de 24h (R24h) foi utilizado pela primeira vez por Wiehl e consiste em quantificar todo o consumo de alimentos nas 24 horas anteriores à entrevista ou durante o dia anterior. Por ser um método que descreve uma grande variedade de alimentos, o R24h é utilizado quando se deseja comparar a média da ingestão de nutrientes e a energia de diferentes populações (BUZZARD, 1998).
Entre as vantagens de utilização desse método incluem-se a rápida aplicação; recordação recente do consumo; a população estudada não precisa ser alfabetizada, além de ser o método que menos propicia alteração no comportamento alimentar (VILLAR, 2001).
O Registro Alimentar pode ser visto como uma variação do R24h, cujo objetivo é recolher informações sobre a ingestão atual do indivíduo, porém, diferentemente do recordatório, ao invés de se lembrar dos alimentos que ingeriu e reportar a um entrevistador, o próprio indivíduo ou pessoa responsável anota efetivamente, em formulários próprios, com todos os detalhes, os alimentos e bebidas ingeridos durante todo o dia. Esse Registro pode ser de um, dois ou mais dias, levando-se em conta que se for muito extenso a pessoa logo se sentirá desmotivada. Desta forma, considera-se suficiente utilizar três dias, sendo que pelos menos um dia deve ser dos finais de semana, onde a alimentação geralmente é atípica (RICCO et al., 2000).
O diário ou Registro Alimentar (RA) pode ser aplicado de duas maneiras: na primeira, utiliza-se uma balança e todos os alimentos devem ser pesados e registrados antes de serem consumidos, na segunda, o participante deverá registrar através de porções de referência ou medidas caseiras a porção consumida. O RA que utiliza a pesagem dos alimentos pode ser considerado um método de avaliação bastante preciso, mas requer treinamento, esforço e muita vontade de colaboração, fatores que fazem com que seja pouco utilizado (MC PHERSON et al., 2000).
Para estimar a prevalência de inadequação da ingestão de nutrientes, é necessário calcular o consumo do grupo populacional de interesse e comparar com o método de referência. A estimativa de referência apropriada para a avaliação da inadequação da ingestão de nutrientes quando se avalia um grupo de pessoas é a EAR, definida como o valor de ingestão do nutriente que corresponde à necessidade média estimada para determinado estágio da vida e gênero (SLATER et al., 2004).
Considerando as várias possibilidades de avaliação da ingestão alimentar, faz-se necessário determinar os objetivos de utilização dos métodos aqui destacados, a fim de verificar aquele que mais se adéqua ao seu trabalho, seja ele a atuação clínica do profissional ou em pesquisas científicas.  



Vanessa Fontes Losano
Nutricionista
Mestranda em Saúde de Grupos Populacionais 
Específicos  pela UNIFESP


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARMSTRONG, B.K.; WHITE, E.; SARACCI, R. Principles of exposure measurement in epidemiology. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press; 1995.

BUZZARD, M. 24-hours dietary recall and food record methods. In: WILLETT, W.C. Nutritional Epidemiology. 2nd.ed. Oxford: Oxford University Press; 1998. p.50-73.

FERRO-LUZZI, A. Individual food intake survey methods. In: Proceedings of International Scientific Symposium on Measurement and Assessment of Food Deprivation and Undernutrition. Rome, Italy: Food and Agriculture Organization of the United Nations, 2002.       

MCPHERSON, R.S.; HOELSCHER, D.M.; ALEXANDER, M.; SCANLON, K.S.; SERDULA, M.K. Dietary assessment methods among school-age children: validity and reliability. Prev Med., v.31, p.11-33, 2000.   

RICCO, R.G.; CIAMPO, L.A.D.; ALMEIDA, C.A.N. Puericultura, Princípios e
Práticas, Atenção Integral à Saúde da Criança. São Paulo: Ed: Atheneu, p.9-89, 2000.

SAMPSON, L. Food frequency questionnaires as a research instrument. Clin Nutr, v.4, p.171-178, 1985.

SLATER, B.; PHILIPPI, S.T.; FISBERG, R.M.; LATORRE, M.R. Validation of a semi-quantitative adolescent food frequency questionnaire applied at a public school in Sao Paulo, Brazil. Eur J Clin Nutr, v.57, n.5, p.629-635, 2003.

VILLAR, B.S. Desenvolvimento e validação de um questionário semi-quantitativo de freqüência alimentar para adolescentes [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2001.  
    
WILLETT, W.C. Future directions in the development of food-frequency questionnaires. Am J Clin Nutr, v.59, p.171s-174s, 1994.

           



domingo, 18 de março de 2012

Aspectos nutricionais na endometriose


A endometriose representa uma afecção ginecológica comum, atingindo de 5% a 15% das mulheres no período reprodutivo e até 3% a 5% na fase pós-menopausa. Essa doença é definida pelo implante de estroma e/ou epitélio glandular  endometrial em localização extrauterina, podendo comprometer diversos locais (BELLELIS; PODGAEC; ABRÃO, 2011), definições estas bem esclarecidas na postagem anterior.
Atualmente vem sendo levantada a hipótese de fatores ambientais influenciarem a etiologia da endometriose, que é uma doença estrogênio-dependente. Alguns estudos têm apresentado uma relação entre a dieta e outras doenças entrogênio-dependentes (LITTMAN; BERESFORD; WHITE, 2001; TSUBURA et al., 2005), devendo esta conduta dietética ser avaliada para os casos de endometriose.
A revisão bibliográfica de Cochrane et al. (2004), constatou que vitaminas do Complexo B, Magnésio e a suplementação de ômega-3 podem exercer um papel anti inflamatório em pacientes com endometriose, contribuindo na melhora dos sintomas da doença, uma vez que a endometriose caracteriza-se pela extensa inflamação. Foi proposto que ácidos graxos ômega 3 e 6 podem melhorar os sintomas álgicos relacionados com a endometriose, modulando a biossíntese e a atividade bioquímica de prostaglandinas relacionadas à dor pélvica, desde que o consumo de ácidos graxos respeite o equilíbrio entre as proporções (COCHRANE et al., 2004).
O consumo de magnésio e vitaminas do complexo B estão relacionados à produção de prostaglandinas anti-inflamatórias e ao relaxamento miometrial. Além disso, uma dieta baseada em vegetais, vitaminas, ômega 3 e magnésio  diminui a ingestão de proteínas animais e, portanto, diminuindo o excesso de gordura corporal e a produção periférica de estrogênio (SESTI et al., 2007).
A produção de estrogênio, estimulada pelo excesso de gordura corporal, pode intensificar os sintomas da endometriose (SESTI et al., 2007). Sendo assim, é importante que a portadora de endometriose seja estimulada à perda peso, a fim de contribuir na melhora dos sintomas da doença.
O consumo excessivo de ácidos graxos ômega-6 intensifica o processo inflamatório e os sintomas decorrentes da doença. Gazvani et al. (2001) em um estudo in vitro identificou que as células endometriais de mulheres com e sem endometriose foram significativamente reduzidas na presença de concentrações equilibradas de ômega-3: ômega-6, quando comparado às células incubadas na ausência desses ácidos graxos essenciais. Como conclusão, os autores afirmam que o ômega-3 pode ter um efeito supressor sobre a sobrevivência in vitro de células endometriais, sendo este nutriente muito importante no tratamento da endometriose, através da redução da resposta inflamatória e modulação da função das citocinas inflamatórias.
A ingestão de fibras pode aumentar a excreção de estrogênio de acordo com Kaneda et al. (1997); Rose e Lubin (1997)  e poderia, dessa forma, desempenhar um papel inverso no risco de endometriose.
         Apesar da etiologia da endometriose ainda não estar bem definida, a importância da alimentação para a melhora no tratamento vem sendo estudada e incentivada, já que a doença promove um processo inflamatório, que pode ser intensificado com uma dieta inadequada.
Entretanto, segundo os pesquisadores, até o momento existem evidências insuficientes provenientes de estudos controlados para que se possa tirar conclusões adequadas quanto à utilização de dietas como fatores preventivos ou mesmo adjuvantes no tratamento da endometriose.
Alguns autores têm apresentado a hipótese de Bifenilos Policlorados (PCBs) participarem da etiologia da endometriose. Dentre os principais PCBs estão os ftalatos e bisfenol A, que são hidrocarbonetos aromáticos clorados, utilizados industrialmente, em especial na fabricação de plásticos.
A exposição aos 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-pdioxina (TCDD) e PCBs ocorre em animais e seres humanos através da ingestão de alimentos e de água. As dioxinas (TCDD) são subprodutos da incineração industrial e da combustão, resultantes da fabricação de pesticidas e do branqueamento de papel. O bisfenol A é um composto encontrado nos plásticos, em especial em garrafas de plástico, revestimento de latas de alimentos e selantes dentais. Já os ftalatos são aditivos do plástico, que possuem a característica de torná-los mais fortes, macios e flexíveis, porém, também são utilizados em tintas, colas, repelentes de insetos, sprays e tintas para cabelo, esmaltes de unhas, xampus e desodorantes (MARCHESE, 2012).
Muitos desses poluentes ambientais são persistentes, com meias-vidas longas, podendo acumular-se no meio ambiente e mesmo nos organismos vivos, influenciando, dessa forma, negativamente o processo gestacional, a infância e o indivíduo adulto (CARPENTER, 2006). Dentre os poluentes químicos, o TCDD tem sido amplamente estudado, porque é considerado o poluente ambiental mais tóxico já produzido pelo homem (JACOBSON-DICKMAN; LEE, 2009). Entretanto, certos PCBs possuem toxicidade similar ao TCDD, podendo agir no comprometimento da função reprodutiva (BELLELIS; PODGAEC; ABRÃO, 2011).
Apesar da proibição dos PCBs nos Estados Unidos desde 1976, estes poluentes químicos mantém-se no ar, água e no solo, acumulando-se no tecido gorduroso de peixes, aves e mamíferos em todo mundo. Como resultado, a exposição humana aos PCBs ocorre principalmente através do consumo de produtos de origem animal e laticínios (TRABERT et al., 2010).  
Recentemente no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proibiu a utilização de bisfenol A (PCB) em mamadeiras, entrando em vigor a partir de janeiro de 2012, em função de seu efeito cumulativo no organismo humano, podendo trazer sérias consequências, dentre elas distúrbios endócrinos, aumento do risco de neoplasias, problemas cardíacos, puberdade precoce, infertilidade, aborto e obesidade (AMS, 2012).
Dentre os distúrbios endócrinos, vários artigos científicos têm apresentado a discussão da ingestão de PCBs como contribuintes no desenvolvimento da endometriose (COBELLIS et al., 2009; SIGNORILE et al., 2010; BALABANIČ; RUPNIK; KLEMENČIČ, 2011; SIGNORILE et al., 2012). Apesar de ainda existirem muitas contradições entre os estudos, este é um ponto relevante que deve ser estudado pelos nutricionistas, principalmente aqueles que desenvolvem trabalhos na área clínica, com atendimento às portadoras desta doença.

Karina Nunes de Simas

Nutricionista, Mestre em Ciência dos Alimentos - UFSC

Pós graduada em Nutrição Clínica Funcional



Referências bibliográficas

AMS – ASSISTÊNCIA MULTIDISCIPLINAR DE SAÚDE. Mamadeiras de Plástico com BPA são proibidas pela Anvisa. Disponível em: http://ams.petrobras.com.br/portal/ams/beneficiario/mamadeiras-de-plastico-com-bpa-sao-proibidas-pela-anvisa.htm. Acesso em: 05 de fevereiro de 2012.

BALABANIČ, D.; RUPNIK, M.; KLEMENČIČ, A.K. Negative impact of endocrine-disrupting compounds on human reproductive health. Reprod Fertil Dev., v. 23, n.3, p.403-416, 2011.

BELLELIS, P.; PODGAEC, S.; ABRÃO, M.S. Environmental factors and endometriosis. Rev. Assoc. Med. Bras, v.57, n.4,  July/Aug., 2011.

CARPENTER, D.O. Polychlorinated biphenyls (PCBs): routes of exposure
and effects on human health. Rev Environ Health, v. 21, n.1, p.1-23, 2006.

COBELLIS, L.; COLACURCI, N.; TRABUCCO, E.; CARPENTIERO, C.; GRUMETTO, L. Measurement of bisphenol A and bisphenol B levels in human blood sera from healthy and endometriotic women. Biomed Chromatogr, V. 23, N.11, P.1186-1190, 2009.

GAZVANI, M.R.; SMITH, L.; HAGGARTY, P.; FOLER, P.A.; TEMPLETON, A. High omega-3:omega-6 fatty acid ratios in culture medium reduce endometrial-cell survival in combined endometrial gland and stromal cell cultures from women with and withoutendometriosis. Fertil Steril. V.76, n.4, p.717-722, 2001.

JACOBSON-DICKMAN, E.; LEE, M.M. The influence of endocrine disruptors on pubertal timing. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes, v.16, n.1, p.25-33, 2009.

KANEDA, N.; NAGATA, C.; KABUTO, M.; SHIMIZU, H. Fat and fiber intakes in
relation to serum estrogen concentration in premenopausal japanese
women. Nutr Cancer, v.27, n.3, p.279-283, 1997.

LITTMAN, A.J.; BERESFORD, S.A.; WHITE, E. The association of dietary fat and
plant foods with endometrial cancer (United States). Cancer Causes
Control, v.12, n.8, p.691-702, 2001.

MARCHESE, M. Influências do meio ambiente na saúde da mulher. Disponível em:  http://www.taps.org.br/Paginas/meiopoquim05.html. Acesso em: 10 de março de 2012.

ROSE, D.P.; LUBIN, M.; Connolly, J.M. Effects of diet supplementation
with wheat bran on serum estrogen levels in the follicular and luteal
phases of the menstrual cycle. Nutrition, v.13, n.6, p.535-539, 1997.

SESTI, F.; PIETROPOLLI, A.; CAPOZZOLO, T.; BROCCOLI, P.; PIERRANGELI, S.; BOLLEA, M.R. et al. Hormonal suppression treatment or dietary therapy versus
placebo in the control of painful symptoms after conservative surgery for endometriosis stage III-IV. A randomized comparative trial.

SIGNORILE, P.G.; SPUGNINI E.P.; CITRO, G.; VICECONTE, R.; BALDI, F.; BALDI, A. Endocrine disruptors in utero cause ovarian damages linked to endometriosis. Front Biosci, v.1, n.4, p.1724-1730, 2012.

SIGNORILE, P.G.; SPUGNINI, E.P.; MITA, L.; MELLONE, P.; D'AVINO, A.; BIANCO, M.; DIANO, N.; CAPUTO, L.; REA, F.; VICECONTE, R.; PORTACCIO, M.; VIGGIANO, E.; CITRO, G.; PIERANTONI, R.; SICA, V.; VINCENZI, B.; MITA, D.G.; BALDI, F.; BALDI, A. Pre-natal exposure of mice to bisphenol A elicits an endometriosis-like phenotype in female offspring. Gen Comp Endocrinol, v. 168, n.3, p.318-325, 2010.

TRABERT, B.; DE ROOS, A.J.; SCHWARTZ, S.M.; PETERS, U.; SCHOLES, D.; BARR, D.B.; HOLT, V.L. Non-dioxin-like polychlorinated biphenyls and risk of endometriosis. Environ Health Perspect, v.118, n.9, p.1280-1285, 2010.

domingo, 11 de março de 2012

Endometriose: um problema nutricional?

Endometriose é uma desordem ginecológica, crônica, estrógeno dependente, associada, frequentemente com dor pélvica e infertilidade, afetando cerca de 3-10% das mulheres em idade reprodutiva (OLIVE; SCHARTZ, 1993; OMWANDHO et al., 2010; WANG et al., 2011).
Embora nos últimos anos tenham sido publicados vários trabalhos acerca da doença, ainda que a nível epidemiológico, Petta et al. (2007) chamam a atenção para as sérias consequências no atraso do diagnóstico, indicando que as condições de saúde das mulheres podem piorar muito. Entretanto, não há evidencias científicas que justifique o porquê deste atraso.
A endometriose pode ser definida como a presença de glândulas endometriais e estroma (tecido conjuntivo) fora da cavidade uterina. Os locais mais afetados são os ovários e a cavidade abdominal, mas outros sítios já foram reportados na literatura, incluindo o septo retro-vaginal, pericárdio, pleura ou até mesmo no cérebro (GIUDICE; KAO, 2004).
O diagnóstico da doença é feito por meio de intervenção laparoscópica seguida da confirmação histológica das glândulas endometriais ectópicas. Em relação à patogenia da endometriose, muito ainda é discutido. Uma das hipóteses atribuída é a da menstruação retrógrada, onde fragmentos do endométrio descamado seguiriam para as tubas uterinas ao invés do canal vaginal, mas esta hipótese vem sendo questionada por não apresentar explicação de como a menstruação retrógrada, um processo fisiológico corriqueiro, não causa endometriose na maioria das mulheres (SIMPSON et al., 2003; BARLOW; KENNEDY, 2005; GENTILINI et al., 2008).
Outra teoria associada é de que fatores genéticos estejam presentes, embora ainda não tão compreendidos. Simpson et al. (2003) mostraram um risco de 4 a 7% para a doença em parentes de primeiro grau, indicando que a endometriose seja uma doença poligênica e multifatorial.
Fatores nutricionais tem sido alvo de discussão como prováveis indutores de endometriose, mas não existem trabalhos científicos suficientes para apoiar tal teoria. O trabalho de Covens et al. (1988) é um dos poucos estudos experimentais que sugere que o óleo de peixe poderia contribuir para a regressão do endométrio ectópico. Mais recentemente, Parazzini et al. (2004) publicaram um estudo confirmando a relação entre endometriose e o consumo de carne vermelha e, inversamente o consumo de vegetais verdes e frutas.
Outra linha de pesquisa, crescente, sugere relação entre os fatores fisiológicos possivelmente associados à endometriose e o consumo de alimentos. Por exemplo, contratilidade do músculo não-estriado, níveis de estrogênios, inflamação, metabolismo de prostaglandinas e periodicidade menstrual são alguns fatores que contribuem para endometriose e podem ser influenciados pela dieta (BAER et al, 2004; MISSMER et al, 2010).
Outro ponto importante que devemos mencionar aqui é em relação ao tratamento da endometriose. As técnicas disponíveis atualmente incluem excisão cirúrgica por vídeo laparoscopia e administração de vários medicamentos, tais como: análogos do GnRH (Hormônio Liberador de Gonadotropina), inibidores de aromatase, progestatinas, esteroides contraceptivos, andrógenos e antiinflamatórios não esteroidais (AINEs). Infelizmente, esta gama de tratamento tem ações limitadas devido ao alto índice de efeitos colaterais. Então, a busca por tratamentos novos, eficazes, seguros e de uso contínuo ainda vem sendo pesquisada.
Um possível candidato no tratamento da endometriose é o resveratrol, um polifenol encontrado nas uvas, nozes e no vinho tinto. Segundo Bruner-Tran et al. (2011), em sua pesquisa com ratas,  o uso do resveratrol diminuiu o número de focos de endometriose em 60% e o volume total de lesões em 80%.
Outro aliado no tratamento da endometriose é o puerarin, um fitoestrogênio derivado da planta Chinesa Radix puerariae. Seu uso tem sido associado com doenças cardiovasculares, alcoolismo e doenças neurológicas (HWANG; JEONG, 2008; BOONCHIRD et al., 2010). Wang et al. (2011), em seu estudo, demostrou que o uso do puerarin pode suprimir a invasão de órgãos por tecido endometrial ectópico.
Podemos concluir, portanto, que mesmo com poucos dados que confirmam a participação dos alimentos tanto na indução quanto no tratamento da endometriose, é fato que o nutricionista vem ganhando destaque em áreas mais específicas da medicina como ginecologia e reprodução humana, aliando o conhecimento das ciências dos alimentos em prol da saúde das pacientes.

Maurício Pereira Gouvinhas, Biólogo
Especialista em Sistema Reprodutor Feminino pela UNIFESP
Professor do Centro Universitário Lusíada - UNILUS

Referências Bibliográficas

BAER, D.J.; JUDD, J.T.; CLEVIDENCE, B.A.; TRACY, R.P. Dietary fatty acids affect plasma markers on inflammation in healthy men fed controlled diets: a randomized crossover study. Am J Clin Nutr. v.79, p. 969-73, 2004.

BARLOW, D.H.; KENNEDY, S. Endometriosis: new genetic approaches and therapy. Annu Rev Med. v. 56, p. 1635-39, 2005.

BOONCHIRD, C.; MAHAPANICHKUL, T.; CHERDSHEWASART, W. Differential binding with ERalpha and ERbeta of the phytoestrogen –rich plant Pueraria mirifica. Braz J Med Biol Res. v. 43, p. 195-200, 2010.

BURNER-TRAN, K.L.; OSTEEN, K.G.; TAYLOR, H.S.; SOKALSKA, A.; HAINES, K.; DULEBA, A.J. Resveratrol inhibits development of experimental endometriosis in vivo and reduces endometrial stromal cell invasiveness in vitro. Biol Reprod. v. 84, p. 106-12, 2011.

COVENS, A.L.; CHRISTOPHER, P.; CASPER, R.F. The effect of dietary supplementation with fish oil fatty acids on surgically induced endometriosis in the rabbit. Fertil Steril. v. 49, p. 698-703, 1988.

GENTILILI, D.; SOMIGLIANA, E.; VIGANO, P.; VIGNALI, M.; BUSACCA, M.; Di BLASIO, A.M. The vascular endothelial growth factor  +405G>C polymorphism in endometriosis.  Hum Reprod. v. 23, n. 
1, p. 211-15, 2008.

GIUDICE, L.C.; KAO, L.C. Endometriosis. Lancet. v.364, p. 1789-99, 2004.

HWANG, Y.P. & JEONG, H.G. Mechanism of phytoestrogen puerarin-mediated cytoprotection follow oxidative injury: estrogen receptor-dependent up-regulation of PI3K/Akt and HO-1. Toxicol Appl Pharmacol. v. 233, p. 371-81, 2008.

MISSMER, S.A.; CHAVARRO, J.E.; MALSPEIS, S.; BERTONE-JOHNSON, E.R.; HORNSTEIN, M.D.; SPIEGELMAN, D.; BARBIERI, R.L.; WILLETT, W.C.; KANKINSON, S.E. A prospective study of dietary fat consumption and endometriosis risk. Hum Reprod. v. 25, n. 6, p. 1528-35, 2010.

OLIVE, D.L.; SCHWARTZ, L.B. Endometriosis. N Eng J Med. v. 328, p. 1759-69, 1993.

OMWANDHO, C.O.A.; KONRAD, L.; HALIS, G.; OEHMKE, F.; TINNEBERG, H-R. Role of TGF-βs in normal human endometrium and endometriosis. Hum Reprod. v.25, n. 1, p. 101-109, 2010.

PARAZZINI, F.; CHIAFFARINO, F.; SURACE, M.; CHATENOUD, L.; CIPRIANI, S.; CHIANTERA, V.; BENZI, G.; FEDELE, L. Selected food intake and risk of endometriosis. Hum Reprod. v. 19, p. 1755-79, 2004.

PETTA, C.A.; MATOS, A.M.; BAHAMONDES, L.; FAUNDES, D. Current practice in the management of symptoms of endometriosis: A survey of Brazilian gynecologists. Rev Assoc Med Bras. v. 53, n. 6, p. 525-9, 2007.

SIMPSON, J.L.; BISCHOFF, F.Z.; KAMAT, A.; BUSTER, J.E.; CARSON, S.A. Genetics of endometriosis. Obstet Gynecol Clin North Am. v.30, p. 21-40, 2003.

WANG, D.; LIU, Y.; HAN, J.; ZAI, D.; JI, M.; CHENG, W.; XU, L.; YANG, L.; HE, M.; Ni, J.; CAI, Z.; YU, C. Puerarin suppresses invasion and vascularization of endometriosis tissue stimulated by 17-β estradiol. PLoS ONE. v. 6, n. 9, p. 1-6, 2011.



domingo, 4 de março de 2012

Comportamento alimentar e nutrição cerebral


O comportamento alimentar tem duas principais funções: manter a quantidade de nutrientes necessárias a nossa sobrevivência (processos fisiológicos) e o prazer que o ato de comer nos proporciona, liberando neurotransmissores (serotonina e dopamina) responsáveis pelo prazer e bem-estar. Ambas funções só podem ser realizadas se existir motivação, ou seja, se existir impulsos internos que levam o indivíduo a realizar ajustes corporais e comportamentais (LENT, 2004).
Segundo Souza et al. (2011), cada indivíduo está sujeito a fatores genéticos na escolha do tipo e da quantidade de alimentos a consumir. Este comportamento alimentar pode ser regulado por inúmeros mecanismos e estes podem variar entre as pessoas e até mesmo entre uma mesma pessoa – dependendo do seu estado emocional.
Outro fator que interfere no comportamento alimentar é o metabolismo, que muda de acordo com a idade. Com o passar do tempo, ingere-se a mesma quantidade de comida, porém, os gastos diminuem. Existe um grande número de adultos que tem excesso de peso, mas levam uma vida sedentária e mantém hábitos comportamentais que prejudicam a saúde. É preciso reavaliar a dieta, bem como inserir atividades físicas no dia-a-dia, pois hábitos saudáveis contribuem para uma boa saúde física e mental (PAPALIA et al., 2006).
Assim, escolher uma alimentação saudável não depende apenas do acesso a uma informação nutricional adequada. A seleção de alimentos tem a ver com as preferências desenvolvidas relacionadas com o prazer associado ao sabor dos alimentos, as atitudes aprendidas desde muito cedo na família, e a outros fatores psicológicos e sociais. É necessário, portanto, compreender o processo de ingestão do ponto de vista psicológico e sociocultural e conhecer as atitudes, crenças e outros fatores psicossociais com o objetivo de se tornarem eficazes as medidas de educação para a saúde e de se melhorarem os hábitos e os comportamentos (VIANA, 2002).
Com isso, relaciona-se o comportamento alimentar a idéia de que “somos o que comemos”, ou seja, de que aquilo que comemos influencia a nossa saúde física e mental. A investigação tem vindo a demonstrar que a nossa dieta tem impacto, por exemplo, no nosso humor. Todavia, alguns autores sugerem que não só os alimentos determinam o nosso humor, como também o nosso humor determina aquilo que comemos (CHRISTENSEN; BROOKS, 2006).
Pode-se tomar como exemplo, o estudo realizado por Wells et al. (1998), constatou-se que os participantes que foram submetidos a uma dieta pobre em gordura apresentavam um aumento do nível de raiva-hostilidade, alteração que não ocorria nos participantes que mantinham uma dieta mais rica em gordura. No entanto, os dois grupos de participantes não se distinguiram quanto ao nível de tensão/ansiedade. Estes resultados levam os autores a concluir que uma dieta pobre em gordura poderá ter um efeito adverso no humor.
Os hábitos alimentares podem interferir em nosso estado emocional. A falta de algumas substâncias e a presença em excesso de outras podem provocar uma série de reações indesejadas no indivíduo.
Segundo Póvoa, Callegaro e Ayer (2005) alguns nutrientes, denominados Smart nutrients, vem apresentando uma ação positiva sobre o funcionamento adequado do cérebro, melhorando, em especial, a nutrição do córtex frontal, a região do cérebro mais sensível aos nutrientes e mais vulnerável à ação dos agentes poluentes, de qualquer ordem. Alguns dos smart nutrientes atuam também na proteção antioxidante, combatendo radicais livres, que degeneram o cérebro. 
Dentre os nutrientes essenciais para a melhora do humor, destacam-se triptofano, ácido fólico (B9), cianocobalamina (B12), Piridoxina (B6), Vitamina C, Magnésio, Selênio e Carboidratos, sendo suas principais fontes destacadas abaixo.
Triptofano: aminoácido encontrado nas carnes, peixes, leite e iogurte, queijos, nozes e leguminosas. Recomenda-se o consumo de carnes magras, leite e iogurtes com menor teor de gordura.
Ácido fólico (B9): vitamina do complexo B encontrada nas folhas de cor verde escuro (agrião, rúcula, espinafre, aspargo, couve, couve de Bruxelas, brócolis), feijão branco, laranja, maçã e soja.
Piridoxina (B6): vitamina do complexo B presente no frango, atum, banana, cereais integrais, levedo de cerveja, arroz integral, cará, alho e semente de gergelim.
Cianocobalamina (B12): vitamina do complexo B disponível no fígado, carne, ovo, leite, peixe, abacate, cereais, vegetais, batata.
Ácido ascórbico (Vit. C): presente na acerola, limão, abacaxi, laranja, manga, kiwi, goiaba, caju, morango, mamão, melão, brócolis, tomate, couve. Cabe ressaltar que a cocção poderá afetar drasticamente as concentrações de vitamina C no alimento.
Magnésio: encontrado em alimentos como o tofu, folhosos verde escuros, cacau, leguminosas, cereais integrais, tomate, salmão.
Selênio: castanha do Pára, nozes, amêndoas, semente de girassol, trigo integral, peixes e frutos do mar.
Carboidrato complexo: pães, cereais, biscoitos, massas, frutas, legumes. Recomenda-se o consumo de cereais, massas e pães integrais, por conter maior concentração de fibras, sendo este um aliado para melhor saúde intestinal, redução da absorção de glicose e lipídeos provenientes da dieta.
Ômega-3: ácido graxo presente em peixes (sardinha, atum, salmão, arenque, cavala, anchova, truta, dentre outros), linhaça, óleo de linhaça, óleo de canola e óleo de soja (em menores proporções), e mais recentemente descoberto na semente de chia (CHICCO et al., 2009).
        Para tanto, a inserção de alimentos que sejam fontes de smart nutrientes devem fazer parte da dieta diária, a fim de contribuir para a nutrição cerebral e, consequentemente, para a melhora do humor. Cabe lembrar que o nutricionista poderá adequar a dieta de cada indivíduo, atendendo também às necessidades para adequada saúde cerebral.


Silvia Marques Lima
Nutricionista do Lar das Moças Cegas e da Casa da Esperança


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHICCO, A.G. et al. Dietary chia seed (Salvia hispanica L.) rich in a-linolenic acid improves adiposity and normalises hypertriacylglycerolaemia and insulin resistance in dyslipaemic rats. British Journal of Nutrition. V.101, p.41-50, 2009.
CHRISTENSEN, L.; BROOKS, A. Changing food preferences as a function of mood. The Journal of Psychology, v. 140, n.4, p. 293-306, 2006.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios: Conceitos fundamentais de Neurociência. São Paulo: Atheneu, 2004.
PAPALIA, D.E.; OLDS, S.W.; FELDMAN, R.D.  Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2006.
PÓVOA, H.; CALLEGARO, J.; AYER, L. Nutrição Cerebral. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
SOUZA, A.S. et al. (2011). O comportamento alimentar e os distúrbios psicológicos. Disponível em: http://www.psicologia.pt/artigos/ver_artigo_licenciatura.php?codigo=TL0263, Acesso dia: 20 de fevereiro de 2012.
VIANA, V. Psicologia, Saúde e Nutrição: Contributo para o estudo do comportamento alimentar. Análise Psicológica, v. 4, p. 611-624, 2002.
WELLS, A.S.; READ, N.W.; LAUGHARNE, J.D.E. Alterations in mood after changing to a lowfat diet. British Journal of Nutrition, v.79, p. 23-30, 1998.