domingo, 4 de setembro de 2011

Nutrição no hipotireoidismo

O sistema endócrino humano possui como glândula mais influente a hipófise, que é responsável pelo transporte de hormônios regulatórios, produzidos pelo hipotálamo, para que estimulem a atividade de outras glândulas, como a tireóide. O hipotálamo estimula a glândula da hipófise a partir do hormônio liberador de tireotrofina (TRH), que estimula a glândula tireóidea, localizada na região do pescoço, através do hormônio estimulador da tireóide (TSH) a produzir os hormônios tireoidianos (T4 – tiroxina e T3 – triiodotironina) (CERQUEIRA; SILVA; CHAGAS, 2007).
Os hormônios tireoidianos possuem importante papel para o equilíbrio do organismo, atuando em todos os órgãos e vias metabólicas e seus principais efeitos compreendem o desenvolvimento de vários tecidos (como o sistema nervoso central), consumo de oxigênio, regulação da temperatura corporal, freqüência cardíaca e metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídeos (BARRA et al., 2004).
A principal forma secretada pela glândula tireóidea é do T4 (3,5,3’,5’-tetraiodo Ltironina) e em menor concentração o T3 (3,5,3’ triiodotironina), que é considerada a forma ativa do hormônio. A principal forma de produção de T3 é através da conversão do T4 em T3 por meio da deiodinase nos tecidos periféricos (BARRA et al., 2004).
O hipotireoidismo é uma condição patológica em que a glândula da tireóide produz hormônio tireoidiano em concentração insuficiente para a manutenção do equilíbrio orgânico, sendo uma condição crônica e particularmente prevalente em mulheres e indivíduos idosos (MCMILLAN et al., 2008).
Como conseqüências desta redução de hormônios tireoidianos surgem sintomas clássicos como a lentidão de movimentos, cansaço, baixa energia, alterações na aparência e na voz, ganho de peso, intolerância ao frio, redução da libido e constipação. Sintomas neuromusculares também são comuns como rigidez muscular, câimbras e cansaço fácil, além de alta morbidade neuropsiquiátrica com o desenvolvimento de depressão (MCMILLAN et al., 2008).
Alguns autores associam que os níveis hormonais tireoidianos são dependentes do status nutricional da dieta (NAVES, 2010). Segundo Kopp (2004), as concentrações séricas dos hormônios da tireóide, especialmente de T3, são dependentes da quantidade de carboidratos na dieta. Dietas ricas em carboidratos estão associados significativamente a maiores concentrações séricas de T3, em comparação a dietas com baixa concentração de carboidratos. Ressaltamos, entretanto, a importância do consumo de carboidratos de fontes integrais, para que possam melhorar a resposta glicêmica e insulinêmica do indíviduo, evitando o risco de resistência à insulina e outras condições patológicas associadas.
O iodo é um mineral essencial para a síntese dos hormônios tireoidianos, que é encontrado em especial no ambiente marítimo, com escassez no ambiente terrestre. Logo, importantes fontes alimentares de iodo são peixes e algas marinhas. Em função da escassez de iodo nas fontes alimentares terrestres e da elevada incidência de doenças como bócio, cretinismo e hipotireoidismo, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu a iodação do sal, sendo considerada recomendação internacional (NAVES, 2010) para evitar o aumento dessas condições patológicas.
Quando o iodo é absorvido pela tireóide, este necessita ser transformado em sua forma orgânica, pois a forma absorvida na região intestinal é inorgânica como iodeto. Na região do citoplasma do folículo tireoideo o Iodo orgânico será “associado” à tireoglobulina para formação do MIT (monoiodotirosina)  e DIT (diiodotirosina) – Figura 1. A “união” de dois DITs na região do colóide formará o hormônio T4, e a junção de MIT mais DIT o hormônio T3. Para que essa reação ocorra, faz-se necessária a ação da peroxidase, que é uma enzima dependente de Ferro. Logo, indivíduos deficientes em ferro não produzirão adequadamente os hormônios tireoidianos.  
Para que os hormônios T4 possam ser transformados na forma ativa T3, já que a tireóide produz em maior concentração o T4, são necessárias ações enzimáticas, normalmente na região do fígado e rins, através das deiodinases ou desiodinases, que são enzimas que possuem como cofator o Selênio.Sendo assim, indivíduos deficientes em selênio não possuem a transformação adequada do hormônio tireoidiano em sua forma ativa (T3).

Figura 1 – Representação esquemática da conversão de T4 em T3
 
Os hormônios tireoidianos atuam através de receptores nucleares para modular a expressão gênica (LINDSAY, 1997), e assim desenvolver suas ações. Na conformação do receptor está presente o Zinco, apresentando a importância deste para que sejam realizadas as funções da triiodotironina (T3) (BLEICHER, 2005). Considerando a referida afirmação, a deficiência de zinco pode reduzir o número de receptores nucleares para o hormônio tireoidiano, minimizando a ação metabólica esperada para tal hormônio.
Alguns alimentos possuem características bociogênicas dificultam a produção dos hormônios tireoideos, em especial aqueles fontes de glicosinolatos e de isoflavonas. Os glicosinolatos são encontrados nos vegetais da família das Brassicas, sendo representados pelos tiocianatos e isotiocianatos. A presença destes compostos inibe a captação de iodo pela tireóide (PONTES; ADAN, 2006) por interferir na atividade da peroxidase (Figura 1). As principais fontes de glicosinolatos são brócolis, couve manteiga, couve de bruxelas, couve flor, repolho, rúcula. Portanto, indivíduos com hipotireodismo devem ter um cuidado especial na seleção e quantidades de alimentos a serem consumidos.
A soja também é um alimento que deve ser consumido com critérios por portadores de hipotireoidismo,  por conter algumas substâncias antinutricionais como fitatos, inibidores de proteases, genisteína e goitrogênicos, que afetam a absorção do iodo em nível intestinal, inibindo por consequência a produção dos hormônios tireoidianos (PONTES; ADAN, 2006). As isoflavonas (genisteína e daidzeína) possuem atividade antioxidante no organismo, entretanto, inibem a formação de peroxidases (Figura 1), podendo ter implicações na doença cardiovascular, tumorigênese e também no funcionamento da tireóide (CAI; WEI, 1996).
Considerando todo o exposto, cabe ao nutricionista identificar os nutrientes necessários para formação dos hormônios tireoideos, favorecendo sua produção, transporte e utilização, para que possam ser minimizadas as consequências do hipotireoidismo e estabilização da doença.

Karina Nunes de Simas
Nutricionista
Mestre em Ciência dos Alimentos - UFSC
Pós graduanda em Nutrição CLínica Funcional

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRA, G.B.; VELASCO, L.F.R.; PESSANHA, R.P. et al. Mecanismo Molecular da Ação do Hormônio Tireoideano. Arq Bras Endocrinol Metab. v. 48, n.1, Fevereiro 2004.

BLEICHER, L. 2005. 87p. Estudos estruturais do receptor do hormônio tireoidiano (TR) e modelagem por homologia da globulina de ligação à tiroxina (TBG). Dissertação. Universidade de São Paulo (Mestrado em Ciências: física aplicada), São Carlos.

CAI, Q.; WEI, H. Effect of dietary genistein on antioxidant enzyme activities in SENCAR mice. Nutr Cancer. v.25, p.1-7, 1996. .

CERQUEIRA, E.P.; SILVA, A.F.; CHAGAS, C.F. O Livro do Corpo Humano: um guia ilustrado de sua estrutura, funções e disfunções. São Paulo: Ciranda Cultural, 2007. (Tradução/Livro).

KOPP, W. Nutrition, evolution and thyroid hormone levels – a link to iodine deficiency disorders? Medical hypotheses. v..62, n.6, p.871-875, 2004.

LINDSAY, R.S.; TOFT, A.D. Hypothiroidism. Lancet. In: UNDERWOOD, E.J, SUTTLE, N.F. The Mineral Nutrition of livestock. 3 ed. Wallingford,UK: CABI Publishing, 1999. p.349:413.
Parte inferior do formulá
MCMILLAN, C.; BRADLEY, C.; RAZYI, S. et al. Evaluation of new measures of the impact of hypothyroidism on quality of life and symptoms: the ThyDQoL and ThySRQ. International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research (ISPOR). v.11, n.2, p.285-294, 2008.

NAVES, A. Hormônios tireoidianos. In: NAVES, A. Nutrição Funcional: modulação hormonal. 1. ed. São Paulo: VP Editora, p.185-234, 2010.

PONTES, A.A.N.; ADAN, L.F.F. Interferência do Iodo e Alimentos Bociogênicos no Aparecimento e Evolução das Tireopatias. Revista Brasileira de Ciências da Saúde. v.10, n.1, p.81-86, 2006.

3 comentários:

  1. Bom dia Karina,

    Meu filho tem hipotireoidismo de hashimoto e pelo que li acima ele esta consumindo alimentos errados. Eu gostaria de saber quais são os alimentos funcionais indicados para quem tem hipotireoidismo de hashimoto? Agradeço atenção. Luciana

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  2. Boa noite Luciana, como vai? Pedimos desculpas pela demora na resposta. A alimentação é um fator muito importante para a Tireoidite de Hashimoto, entretanto, cada indivíduo deve ser tratado conforme suas particularidades. Nem sempre um alimento, conhecido como funcional, pode ser utilizado por todos. Como se trata de algo muito individual, é interessante que seu filho seja acompanhado por um nutricionista, para que tenha uma alimentação adequada às suas necessidades. Se surgirem mais dúvidas, entre em contato em meu e-mail: karinansimas@yahoo.com.br Obrigada e boa semana, Karina

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  3. Boa noite
    Descobri que tenho hipotireoidismo em 2006, porém nunca fui orientada sobre esses alimentos que dificultam o funcionamento da tireoide, nem por nutricionista. Descobri essa informação por acaso ao assistir um programda de TV, e desde então venho pesquisando sozinha.
    A minha dúvida é em compreender como o nutricionista e/ou o médico podem informar quais são os melhores alimentos para auxiliar o tratamento? E todos os alimentos considerados bociogenicos devem ser evitados em todos os casos de hipoteireoidismo?
    Agradeço a atenção e o espaço para debate e por compartilhar conhecimento, pois o tratamento da tireoide é bem dificil e atrapalha e muito na qualidade de vida.

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